Texto publicado no Jornal Opinião dia 19/04/13
Certa vez, tivemos um paciente internado na clínica
psiquiátrica, que era considerado “insuportável” por todos da própria família e
por boa parte dos profissionais do local. Era um senhor com seus 60 anos,
aposentado de um alto cargo público, que estava um tanto adoentado e sofria de
incontinência urinária, portanto tinha enfermeiras-acompanhantes 24 horas por
dia. Ele as tratava mal, as humilhava, mas, creio que como lhes pagava bem,
permaneciam no serviço. Ele tinha uma vasta cultura geral, falava em latim para
se exibir, porém toda a sua inteligência em vez de lhe agregar charme, o
tornava um arrogante desagradável e sem noção.
Logo no início do plantão, pela manhã, fui atendê-lo. Um
tanto receosa, contudo extremamente curiosa. Que tipo de pessoa, supostamente
tão culta e inteligente, que ocupou por tantos anos um alto cargo público, não
tem um mínimo de habilidade para se relacionar? Aliás, que faz questão de pisar
nas pessoas? Isso é, no mínimo, um paradoxo. Supostamente, uma pessoa
inteligente vai buscar boas relações para pelo menos não ser interditada numa
clínica. Se não fosse por afeto, que fosse por manipulação, que é a base dos
relacionamentos dos psicopatas. Estava curiosa para saber o que tinha ali: seria
então psicopata clássico, de livro? Um sádico, narcisista? Qual o diagnóstico
dele? E lá fui eu, chamá-lo para o meu primeiro atendimento do dia.
A princípio, ele foi cordial, contou sobre si mesmo (seu
assunto preferido), e o atendimento fluía normalmente. De repente, o homem
começou a se exaltar e a me humilhar, afirmando que eu não era capaz de entendê-lo,
que eu era burra, e, que para ser digna de compreendê-lo, seria necessário
falar os 10 idiomas que ele falava, e ter todo o conhecimento
histórico-político-geográfico-cultural e constitucional, que ele tinha.
Finalizando, disse que eu era uma “ninguém”, e que se ele metesse uma bala no
meio da minha cabeça, eu seria enterrada praticamente como uma indigente, e que
ninguém nunca o puniria por isso. Porque ele era influente e invencível. Ele
falou isso com grande frieza. Coisa de filme.
Ele não estava em surto psicótico nem era esquizofrênico. Durante
toda a sua fala, permaneci em silêncio, apenas deixei ele descarregar seu ódio.
Contudo, não vou negar que o meu sangue ferveu quando ele me ameaçou de morte.
Psicóloga também tem instinto de sobrevivência... e ego! Ser subestimada também
me irritou. Mas, como de praxe, vi que minha raiva não fazia sentido, pois
estava diante de um doente. Naquele ponto, já tinha a certeza de que ele era
apenas mais um psicopata. Que droga, pensei, nada de inédito! Então apenas encerrei
o atendimento dele, dizendo: “Por mais que o senhor se considere invencível,
todos erram. E lamento dizer, mas o senhor perdeu, pois se deixou vencer pela
arrogância, e é por isso que o senhor está aqui. Tenha um bom dia”. Ele ficou
mudo, eu saí, e não o atendi mais, porque psicopatas, infelizmente, são
irrecuperáveis.
Relatei um caso clássico do tipo de psicopata que goza
torturando as pessoas emocionalmente. Não pensem que psicopatas são aquelas
pessoas com sede de morte, esse é um outro tipo, bem mais raro, o caso acima é
a forma mais comum de psicopatia, e está mais perto de nós do que imaginamos. Todavia,
arrogância não é uma exclusividade de psicopatas e pode cegar e adoecer pessoas
comuns também. Melhor ser humilde, que ser miserável.